Sem dúvida, “Filho do Homem” era o título favorito de Cristo ao
Se referir a Si mesmo. A expressão aparece cerca de 80 vezes nos
Evangelhos, e seu caráter enigmático é, ainda hoje, tema de muitos
debates. Neste artigo, examinaremos de forma breve o uso da expressão
“filho do homem” na literatura judaica antiga e cristã primitiva.
Procuraremos também entender quais foram as possíveis fontes de que
Jesus derivou esse título e as prováveis razões pelas quais Ele o utilizou.
No entanto, este ensaio não pretende esgotar o tema, que tem sido objeto
de tantos estudos ao longo da História.
No Antigo Testamento
Na Bíblia hebraica, a expressão “filho do homem”, ben ‘adam,
ocorre 107 vezes, 93 delas no livro de Ezequiel. Nas outras 14 vezes,
com exceção de Daniel 8:17, a expressão ocorre somente em paralelismos poéticos, sempre na segunda linha, e quase sempre em paralelo
com os termos ‘adam ou ‘enosh, ambos com o significado de “homem”
ou “ser humano” (Nm 23:19; Jó 16:21; 25:6; 35:8; Sl 8:4; 80:17; 146:3; Is
51:12; 56:2; Jr 49:18, 33; 50:40; 51:43) (AUNE, 2002). De modo geral, a
ênfase desses textos está na diferença dos seres humanos com relação
a Deus, e em sua fraqueza, fragilidade e mortalidade em comparação
com o Todo-poderoso e Eterno (NICKELSBURG, 1999).
Cada ocorrência de bem ‘adam foi traduzida literalmente pela Septuaginta com a expressão grega huios tou anthropou, utilizada igualmente
no Novo Testamento. No idioma ugarítico, os termos adm e bn adm também aparecem em parelhas de versos poéticos, indicando que, também
nessa língua, “filho do homem” significa “ser humano” (AUNE, 2002).
Em Ezequiel
Não há consenso entre os intérpretes quanto ao significado da expressão “filho do homem” em Ezequiel. As 93 vezes em que essa designação é aplicada ao profeta podem enfatizar seu status como um simples
ser humano diante de Deus, ou, por outro lado, destacar seu privilégio
como representante profético da raça humana e, mais especificamente,
do povo de Israel (DORNELES; CAVALCANTI; NUNES, 2013).
Em Daniel
Em Daniel, a expressão “filho do homem” no singular aparece
duas vezes, uma em hebraico — em 8:17, onde bem ‘adam é utilizado
de modo semelhante ao do livro de Ezequiel –, e outra em aramaico, em
7:13, onde ocorre a expressão kebar ‘enash — “semelhante a um filho de
[ou do] homem” (Nova Versão Internacional). Esta última é considerada a ocorrência mais importante da expressão “filho do homem”, e talvez
seja o texto mais estudado do livro de Daniel (BALDWIN, 1983).
No capítulo 7, a figura do filho do homem aparece em contraste com
os quatro animais vistos anteriormente pelo profeta — ele representa o
quinto reino (SMITH, 2001). É possível estabelecer uma analogia entre o filho do homem do capítulo 7 e outras duas figuras-chave no livro de Daniel.
A primeira delas é a pedra do capítulo 2, cortada “sem auxílio de
mãos” (v. 34), que aparece como o quinto reino na sequência profética
e, à semelhança do filho do homem, estabelece o reino eterno de Deus.
A segunda analogia é com relação ao príncipe Miguel. A autoridade exercida por ele, como defensor do povo de Deus (Dn 10:13, 21;
12:1; ver Jd 9; Ap 12:7) parece ser análoga à autoridade conferida ao
filho do homem em Daniel 7:14 (NICKELSBURG, 1999). Ambos estão
estreitamente envolvidos na vindicação do povo santo, entram em cena
quando os poderes do mal se levantam e participam da intervenção final de Deus na História.
Comentaristas mais conservadores e a tradição judaico-cristã
interpretam a figura humana de Daniel 7:13 como uma referência ao
Messias. Outras interpretações consideram o filho do homem como um
símbolo associado ao novo Israel, a Judas Macabeu ou simplesmente a
um ser angelical, como Gabriel (AUNE, 2002; GOLDINGAY, 2002).
O escritor George Beasley-Murray (1983) associa a vinda do filho
do homem nas nuvens em Daniel 7:13 com as passagens do Antigo Testamento em que Yahweh é descrito cavalgando também sobre as nuvens
(Sl 18:10, 11) (SMITH, 2001, p. 404). Assim, o filho do homem de Daniel 7 seria um representante do próprio Deus.
O filho do homem do capítulo 7 de Daniel é uma figura escatológica, cujas principais atribuições parecem estar relacionadas à vindicação do povo santo e à execução do juízo de Deus.
Nos apócrifos e pseudoepígrafos judaicos
Fora da Bíblia, a designação “filho do homem” aparece poucas vezes na literatura judaica antiga. Nos apócrifos do Antigo Testamento, ela
ocorre seis vezes, e, nos pseudoepígrafos, a expressão é encontrada em
Similitudes de Enoque (uma subdivisão do primeiro livro de Enoque) e
no Apocalipse de Elias. Neste último, Elias é chamado de “filho do homem” no mesmo sentido que Ezequiel (AUNE, 2002).
O conceito de filho do homem também está presente no Apocalipse de Esdras, embora seu autor não utilize exatamente essa expressão.
No livro Similitudes de Enoque
Na literatura extra bíblica, um dos textos mais importantes em
que o conceito messiânico de Filho do Homem é encontrado é o Livro
de Parábolas ou Similitudes de Enoque. Essa seção do livro de 1 Enoque
(capítulos 37-71), datada entre 200 a.C. e o fim do primeiro século da
Era Cristã, consiste em três discursos ou parábolas. Nesses discursos a
expressão “filho do homem” (traduzida a partir de três diferentes expressões etíopes) aparece 16 vezes, relacionada à figura do Messias. A
designação aparece em paralelo com os termos “Eleito”, “Messias” (ou
“Ungido”) e “Justo” (AUNE, 2002).
“O livro se ocupa em proclamar a vinda do novo Céu e da nova
Terra, e o estabelecimento do reino de Deus por meio desse ‘Ungido’”
(SIQUEIRA, 2010, p. 11).
O personagem messiânico-escatológico de Similitudes de Enoque
é apresentado como um ser preexistente e oculto (48:3; 62:7), que se
manifesta eventualmente (48:7), que atua como juiz (46:4-6; 62:3-11;
69:27, 29), revelador (46:3), vindicador da justiça (48:4; 62:12; 71:17)
e governador universal (62:6; 71:15-17), e que recebe adoração (48:5;
62:9) (AUNE, 2002).
O livro descreve um herói celestial, sobrenatural, que mistura a imagem do filho do homem de Daniel 7 com as do rei davídico do Salmo 2 e de
Isaías 11, e do servo sofredor de Isaías 42, 49 e 52-53 (NICKELSBURG, 1999).
É interessante notar que a passagem em que o “Filho do Homem” aparece pela primeira vez no livro de Enoque (46:1-2) é totalmente dependente,
do ponto de vista intertextual, da visão de Daniel (SIQUEIRA, 2010, p. 12).
A crítica textual reconhece várias interpolações no livro de Enoque,
e há quem argumente que as referências messiânicas ao Filho do Homem
tenham sido inseridas posteriormente por cristãos (STALKER, 1999).
Outros eruditos, porém, apontam para alguns detalhes que sugerem uma
composição no primeiro século antes de Cristo (NICKELSBURG, 1999).
Apesar de não haver evidências de que Jesus tenha conhecido o
Similitudes de Enoque, é possível supor que em Sua época a expressão
“Filho do Homem” já havia se tornado um título messiânico, trazendo a
ideia, inclusive, de um Ser divino, preexistente, responsável pelo estabelecimento do reino de Deus (LADD, 2003, p. 197).
No Apocalipse de Esdras
Outro importante texto judaico que apresenta a figura do Filho
do Homem com contornos messiânicos é o quarto livro de Esdras, um
apocalipse geralmente datado do fim do primeiro século (AUNE, 2002).
Embora não utilize a expressão “filho do homem”, 4 Esdras, especialmente o capítulo 13, se refere a “algo parecido com a figura de um homem”
que vem do mar e que apresenta vários pontos de similaridade com o “filho
do homem” de Daniel 7 e do Similitudes de Enoque. O herói messiânico do
quarto livro de Esdras também combina traços do servo sofredor de Isaías e
do rei davídico do Salmo 2 e Isaías 11 (NICKELSBURG, 1999).
As principais características desse “homem do mar” são: Ele vem com
as nuvens do céu (13:3); é preexistente (13:52; ver 7:28; 14:9); é filho de Deus
(13:32, 37; ver 7:28); é o Messias (7:28; 12:32); é juiz (12:32; 13:37); reúne o
povo eleito (remanescente) e liberta os justos (12, 13) (AUNE, 2002).
Nesses textos, as funções do herói messiânico são basicamente
duas: julgar em favor de Deus no juízo escatológico e reunir o povo eleito.
Nos manuscritos de Qumram
Não há na literatura de Qumran menção ao filho do homem
de Daniel 7:13, 14 e, nas vezes em que a expressão aparece, ela é utilizada no sentido comum de “ser humano”. Apesar disso, é possível
identificar nos escritos do Mar Morto características semelhantes
às do personagem escatológico de Daniel 7, como, por exemplo, na
figura de Melquisedeque, no manuscrito 11Q13. Esse personagem,à semelhança do Filho do Homem, apresenta atributos messiânicos
e divinos, e assume o papel de juiz, mediador e salvador celestial
(BRUCE, 1982; TERRA 2009).
Na literatura rabínica
O erudito Maurice Casey encontrou 10 referências a Daniel 7:13 ou
14 na literatura rabínica. Quatro delas interpretam o “filho do homem”
como sendo o Messias (BURKETT, 2004). Mas a mais importante citação
a respeito de Daniel 7 nos escritos dos rabinos talvez seja a de Akiva ben
Yosef (c. 50-135 d.C), considerado um dos fundadores do judaísmo rabínico. Para ele, a palavra “tronos” em Daniel 7:9 se refere ao trono de Deus
e de Davi, isto é, do Messias, o que abre caminho para a interpretação
messiânica do “filho do homem” nos versos 13 e 14 (BRUCE, 1993).
No Novo Testamento
Com exceção de quatro ocorrências (At 7:56; Hb 2:6; Ap 1:13; 14:14),
a expressão “Filho do Homem” no Novo Testamento aparece somente nos
Evangelhos e é utilizada apenas por Jesus (NICKELSBURG, 1999).
Segundo F. J. Foakes Jackson e Kirsopp Lake (AUNE, 2002) as declarações em que Cristo utilizou a expressão “Filho do homem” podem
ser classificadas em três grupos:
1. Declarações sobre Sua obra enquanto esteve na Terra. Exemplos:
Quando Ele declarou Sua autoridade sobre o sábado (Mc 2:27,
28) e para perdoar pecados (Mc 2:10), e ao enfatizar “o caráter
humilde e despretensioso de Sua missão terrestre” (Mt 8:20; 11:19;
Lc 7:34) (SIQUEIRA, 2010, p. 17).
2. Declarações sobre Seu sofrimento, morte e ressurreição.
Exemplo: Predições feitas aos discípulos acerca da paixão e
ressurreição (Mc 8:31; 9:31; 10:33-34).
3. Declarações sobre Sua vinda escatológica em glória. Exemplos:
Passagens em que Cristo evocou a imagem do filho do homem de Daniel 7:13, vindo sobre as nuvens do céu (Mt 26:64; Mc
14:62; Lc 22:69); quando falou de Sua vinda de modo geral, sem,
necessariamente, aludir a Daniel 7 (Mt 10:23; 24:27, 37, 39; 24:44);
e quando mencionou Seu retorno em conexão com o julgamento
escatológico de Deus (Mt 24:30; Mt 13:41; 19:28). A maior parte
das declarações sobre o Filho do Homem nos Evangelhos se refere
à segunda vinda ou ao papel escatológico do Messias.
Apesar de interessante e útil, essa classificação pode ser problemática, pois algumas declarações se encaixam em mais de um desses grupos.
No Evangelho de Mateus, a expressão “Filho do Homem” parece ressaltar o papel de Cristo como juiz escatológico. Em Marcos, a ênfase está na
autoridade de Jesus e, ao mesmo tempo, em Sua posição como “Servo sofredor”. Já o uso que Lucas fez da expressão evidencia o profundo interesse do
autor na figura de Cristo como o Homem universal, que franqueia a todos
os seres humanos o acesso à salvação. Em João, o título reforça a identidade
divina de Jesus e Sua origem celestial, estando relacionado aos temas da
crucificação — que nesse Evangelho implica também glorificação — (3:14;
8:28; 12:23; 13:31), revelação (6:27, 53) e autoridade escatológica para julgar
o mundo (5:27; 9:39; 12:31) (SIQUEIRA, 2010, p. 22).
Em Apocalipse 1:13 e 14:14, a expressão “um semelhante a filho
de homem” é usada como uma clara alusão a Daniel 7:13, mas parece
não ter muita relação com o uso que Jesus fez nos Evangelhos.
Na literatura gnóstica
O título “Filho do Homem” aparece com certa frequência nas fontes
gnósticas, especialmente nos códices da Biblioteca de Nag Hammadi, no Egito, como o Tratado Sobre a Ressurreição, o Sophia de Jesus Cristo e o Evangelho
Secreto de João. Na maioria dessas obras, o uso da expressão “Filho do Homem” difere significativamente de sua aplicação nos Evangelhos canônicos.
Em certas seitas gnósticas, como os ofitas e os valentinianos, o
termo “Homem” (anthropos) era utilizado para se referir a um deus com
traços humanos (aparentemente uma referência a Gênesis 1:26) existente no Céu ou Pleroma. A emanação desse deus era chamada de “Filho
do Homem”. Jesus Cristo, portanto, seria o resultado da emanação desse
“Homem primordial”. Acreditava-se também que o Filho do Homem
seria capaz de restaurar o Pleroma — de onde supostamente viera — ao
seu estado de ordem original (AUNE, 2002).
As fontes gnósticas que aludem ao mito do “Homem celestial” são de
datas posteriores ao quarto Evangelho. Não há evidências concretas da existência
desse mito no primeiro século da Era Cristã (SIQUEIRA, 2010, p. 26, 27).
Nos pais da igreja do período anteniceno
Embora autores como Justino Mártir (c. 100-165), Tertuliano (c.
160-220), Irineu de Lyon (c. 130-200) e Eusébio de Cesareia (c. 265-339)
utilizassem a visão celestial de Daniel 7 como a principal fonte do título
“Filho do Homem”, os escritores patrísticos dos primeiros séculos do cristianismo costumavam relacionar a expressão mais frequentemente com a
natureza humana de Cristo, em contraste com Sua natureza divina. Esse
contraste aparece pela primeira vez na carta de Inácio de Antioquia aos
efésios (20:2) (BURKETT, 2004), onde ele se refere a Cristo como “Filho
do homem e Filho de Deus”. É possível que essa ênfase na natureza humana de Cristo tenha sido ocasionada pelas muitas heresias com respeito
à humanidade de Jesus, principalmente por parte do gnosticismo. Sendo
assim, a preocupação dos pais da igreja ao utilizarem o título “Filho do
Homem” tinham que ver muito mais com a apologética do que com as
raízes judaicas e veterotestamentárias da expressão.
Posteriormente, essa abordagem:
Passou a ser comum na tradição da igreja, especialmente
no contexto do debate acerca das duas naturezas de Cristo.
[…] Foi essa atitude de exagerar no uso da expressão “Filho do Homem” em conexão com a plena e real natureza
humana de Cristo que resultou no entendimento tradicional desse título como simplesmente uma referência à humanidade de Cristo (SIQUEIRA, 2010, p. 46, 47).
Os intérpretes têm proposto diferentes razões pelas quais o título
“Filho do Homem” teria sido tão frequentemente utilizado por Jesus.
Entre as principais interpretações, temos:
1. Era simplesmente uma expressão idiomática. De acordo com
alguns eruditos, as expressões aramaicas bar ‘enash e bar ‘enashá podiam ser usadas pelo interlocutor para se referir a si mesmo na
terceira pessoa. Seria uma substituição para os pronomes “eu” e
“mim”, em casos em que a pessoa quisesse evitar a impressão de
arrogância, falar algo desagradável a respeito de si mesma ou fazer
um protesto. Assim, por questões de modéstia e discrição, Cristo
teria substituído a primeira pessoa do singular pela expressão
“Filho do Homem”. No entanto, o problema com essa interpretação
é que as evidências dessa substituição são posteriores a Jesus, e
não refletem necessariamente um costume corrente no aramaico
galileu do primeiro século (AUNE, 2002).
2. Era um título ambíguo. De acordo com essa interpretação, ao
utilizar a expressão “Filho do Homem”, Cristo teria Se valido de
um título que admitia mais de um significado. Diferentemente
de títulos como “Messias”, “Filho de Deus” e “Filho de Davi”
(que eram entendidos mais com um sentido político do que
religioso), Jesus teria utilizado um título enigmático e, ao
mesmo tempo, bastante discreto — uma vez que a expressão era
utilizada de várias formas no hebraico e no aramaico — a fim
de não incentivar ideias nacionalistas e alvoroço desnecessário
(BURKETT, 2004; AUNE, 2002).
3. Era um título messiânico. Embora, nas últimas décadas,
teólogos mais liberais tenham se manifestado contra esse ponto
de vista, um grande número de eruditos ainda sustenta a ideia
de que Cristo utilizou a expressão “Filho do Homem” como uma
alusão ao conceito judaico pré-cristão (se é que se pode datar o
livro de Enoque como anterior a Jesus) e veterotestamentário
de um herói apocalíptico, preexiste e transcendente que Se
manifestaria nos últimos dias como redentor e juiz.
Em Mateus 26:64, ao falar de Sua segunda vinda, Jesus teria feito
uma clara alusão a dois textos do Antigo Testamento: Salmo 110:1 e Daniel 7:13. Ao mesclar as figuras do rei messiânico com a do ser celestial
de Daniel 7, Cristo teria tornado claro o principal — e mais provável —
pano de fundo da expressão “Filho do Homem”.
Segundo Oscar Cullman (1963, p. 162): A Teologia clássica sempre contrastou Filho do Homem e Filho de Deus. Do ponto de vista do dogma posterior “verdadeiro Deus — verdadeiro homem”, entendeu-se a designação
“Filho do Homem” apenas como uma expressão da “natureza
humana” de Jesus em contraste com Sua “natureza divina”.
Nessa época, os teólogos não estavam familiarizados com as
especulações judaicas sobre a figura do Filho do Homem, e
não levaram em consideração o fato de que, por meio desse
próprio termo, Jesus falou de Seu divino caráter celestial.
4. Outras possíveis razões. Além dos possíveis motivos mencionados
acima, Jesus teria utilizado a expressão “Filho do homem” para: (1)
“acentuar propositalmente Sua natureza humana”;3
(2) identificarSe com os seres humanos em suas fraquezas, expressando Seu
senso de ligação com a humanidade e a participação em seus
sofrimentos (STALKER, 1999); e/ou (3) Se identificar com o
ofício profético e a mensagem escatológica de Ezequiel e Daniel,
(DEYOUNG, 1988) que também foram chamados, cada um, de
“filho do homem”.
Considerações Finais
Ao analisar brevemente a expressão “Filho do Homem” na literatura
judaica antiga, vimos que o mais provável background para esse título, tão
utilizado por Cristo nos Evangelhos, são os profetas canônicos, especialmente
Daniel 7:13, 14 (ver Mt 26:64; Mc 13:26; 14:62; Lc 22:69). Textos como Similitudes de Enoque e os rolos do Mar Morto nos ajudam a reconstruir certos
aspectos da compreensão messiânica de determinados círculos religiosos dos
tempos de Jesus, como a noção de um Messias divino e preexistente.
Semelhantemente, o comentário rabínico de Akiva ben Yosef a
respeito de Daniel 7:9 favorece uma interpretação das palavras “filho do
homem”, no verso 13, como referência a um Messias com traços divinos.
Vimos também as distorções sofridas pela expressão por parte das
doutrinas gnósticas, o que motivou nos escritores patrísticos antenice-nos uma reação no sentido de utilizar a designação “Filho do Homem”
quase que exclusivamente com propósitos apologéticos, para se referirem à humanidade de Jesus.
Por fim, após relacionar alguns possíveis motivos pelos quais Cristo teria utilizado o título “Filho do Homem” para Se referir a Si mesmo,
consideramos mais provável que Ele tenha Se valido da expressão para
declarar, direta ou indiretamente, Sua messianidade e Seu papel como
juiz escatológico e defensor do povo santo.
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